PRODUCCIÓN - DIÁLOGOS
270 - NO BRASIL PÓS GOLPE O RENTISMO NO CAMPO NÃO POUPA NINGUÉM
NO BRASIL PÓS GOLPE O RENTISMO NO CAMPO NÃO POUPA NINGUÉM
Valéria Pereira Santos
Claudio Adão Dourado de Oliveira
Resumen del Capítulo de Brasil del Informe
Por la Tierra y Territorio en Sudamérica 20191
- MARCO GENERAL DEL PAÍS
O Brasil é um país caracterizado pela sua riqueza natural, e desde a colonia responde a estruturas profundas de dependência agro-extractiva, difíceis de quebrar, mesmo para governos de esquerda. Neste contexto, o agronegócio, as actividades extractivas e o desenvolvimento de grandes obras de infra-estrutura constituem um mosaico económico que afecta directamente as populações rurais e urbanas, e os territórios onde estas vivem.
Desde o golpe de Estado da ex-Presidente Dilma Russef até à chegada de Jair Bolsonaro ao poder em 2019, as instituições estatais consolidaram políticas de extrema direita baseadas em ameaças, na perda dos direitos dos povos e na continuação do desmatamento florestal para os converter ao agronegócio. Uma característica do processo político no Brasil é a militarização. Pelo menos 8 dos 22 ministérios são geridos pelos militares.
A lógica de um governo de extrema direita afecta directamente a sociedade civil, por exemplo, a extinção da cultura, do esporte, da agricultura familiar, do desenvolvimento agrário e da pesca, das microempresas. Uma estratégia para reduzir o investimento público nestas áreas foi a extinção dos ministérios, que se concentraram em questões sociais como a política fundiária, com o agronegócio; também questões de desenvolvimento social no ministério da economia, ou cidadania e comunidades no ministério dos direitos humanos; finalmente, a regulamentação florestal no âmbito do agronegócio. As questões de política social foram também gradualmente abolidas por decreto.
O Governo Bolsonaro reforçou uma luta antiterrorista, ocupando ambientes de conflito com acções repressivas. Um dos conflitos com maior impacto sobre os direitos do povo foi o decorrente da luta pela terra e pelo território. Num contexto de militarização da política O Governo Bolsonaro opera com hostilidade explícita, aplicando mecanismos como a restrição de participação, a institucionalização da venda de terrenos e a alteração da regulamentação fundiária para a ocupação do solo, entre outras medidas.
O resultado das políticas fundiárias é a facilidade de expansão agrícola, principalmente na Amazônia, bem como a devastação dos impactos socioambientais para favorecer uma potência econômica. Estas medidas governamentais intensificam a desigualdade, mostrando uma nova fase do capital, que inclui violência étnica, violência de género e violência geracional para interromper projectos de vida. Por exemplo, o aumento do feminicídio, os cortes nas políticas relativas às mulheres, a desqualificação do público e do trabalho e o uso da violência nos meios de comunicação social.
- AVANÇOS NO ACESSO À TERRA E AO TERRITÓRIO
O contexto político e económico do país não é muito favorável ao acesso à terra, devido a medidas económicas, à consolidação de um quadro institucional a favor do agronegócio. No entanto, os povos indígenas, camponeses, ribeirinhos e comunidades afrodescendentes têm formas resistentes de responder para garantir a vida nas suas regiões.
Um dos maiores desafios consiste em garantir o direito à terra, asim como opções de soberania alimentar, cadeias de valor onde as comunidades possam se inserir para fins comerciais e oportunidades de aplicar as suas práticas sócio-produtivas.
Entre os avanços favoráveis para o sector está o crescimento do consumo de alimentos orgânicos, ligado a campanhas que tornam visíveis os perigos dos pesticidas; e um esforço de vários actores para fomentar a agroecologia. Existem já mais de 17 mil agricultores biológicos no país, mais 200% do que em 2012 - 200%.
O movimento agroecológico foi uma resistência visível, porque propõe uma agricultura sustentável ligada a relações mais justas, equilibradas e igualitárias, em que as mulheres têm um papel de liderança, para enfrentar as relações sexuais/classe/raciais e geracionais.
As mulheres, como eixo central do debate agro-ecológico, denunciam a radicalização da violência em áreas de conflito agrário, violência também evidente nos impactos do modelo agro-exportador, com as suas expressões mais cruéis, como o aumento dos assassinatos de mulheres combatentes pela terra.
Levantam a discussão sobre as consequências perversas do agronegócio nas suas terras, tais como a perda de meios de subsistência, a falta de saúde e de alimentos, bem como a dependência dos factores de produção. Durante estes anos de contingência social, demonstraram a sua capacidade como gestores públicos, aumentando a sua participação nos espaços de decisão através de um processo de re-significação de papéis. Por outro lado, a manifestação colectiva das mulheres em espaços públicos ocorreu com marchas nacionais, como a marcha das mulheres indígenas, a marcha das Margaritas, que reuniu mais de 100.000 mulheres.
- CONFLITOS NO ACESSO À TERRA E AO TERRITÓRIO
O conflito sobre o acesso à terra e ao território é profundamente exacerbado pelas políticas de reforma agrária, pela dívida pública e pela formação para a exportação. Existem factores de mobilidade espacial forçada resultantes da violência nas zonas rurais, genocídio por motivos de expropriação, bem como violência contra a natureza. Bolsonaro, do seu governo, está a promover acções políticas de rent-seeking para defender o privado do público e da comunidade, entre outras questões afectadas é a função social da terra.
Por conseguinte, os defensores dos direitos são considerados terroristas, preparando uma justificação legal para o uso da força na expropriação de terras. Assim, é gerada uma fórmula que está intrinsecamente relacionada com a eleição de Bolsonaro, a militarização agrária, a legitimidade política, e o chamado "banco de balas".
As terras concentraram-se em poucos comandos, beneficiando principalmente as empresas privadas, que vão desde a especulação fundiária, a conversão da função agrícola e o enfraquecimento da agricultura familiar, programas alimentares geridos por pequenos agricultores, substituição alimentar. Se isto não for suficiente, o acesso ao crédito para pequenas iniciativas é limitado, enquanto que para o agronegócio estão a ser libertadas barreiras à importação.
Apesar do novo cenário, existem ainda iniciativas de agricultura familiar que apoiam uma produção diversificada de qualidade diferenciada, com elevado potencial de produção alimentar e, portanto, com um enclave eficaz para propor alternativas ao agro-extractivismo. Os pontos fortes agro-ecológicos da agricultura familiar são sistematicamente combatidos pelos meios de comunicação social, pelos sistemas de monitorização das medidas sanitárias e pelo controlo dos mercados alimentares pelos oligopólios, enquanto entidades activas em cada fase do sistema alimentar (desde os factores de produção, produção, transformação, comercialização e consumo de alimentos). A verdade é que, sem a reforma agrária, a violência aumenta nas zonas rurais. Por exemplo, no Pará houve 12 assassinatos em territórios e comunidades rurais, no Mato Grosso e no Maranhão, 3 casos.
- VIOLÊNCIA CONTRA OS POVOS INDÍGENAS
Existem provas empíricas que demonstram o aumento da violência no sector indígena e a destruição dos seus territórios como consequência de um Estado racista e ecocêntrico. Neste momento, mais de 1.290 terras indígenas no Brasil estão em condições vulneráveis, 821 delas estão pendentes com o Estado devido a processos de demarcação inacabados, e 528 não recebem apoio estatal. As expressões mais radicais de violência contra territórios desde 2018 estão ligadas à invasão, expropriação ilegal, sequestro e assassinato.
- ACÇÕES E PROPOSTAS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS
As ações mais desafiadoras para os movimentos sociais no Brasil estão relacionadas com a urgente reforma agrária, pois o latifúndio está crescendo. Este é um momento de resignificação dos processos de emancipação do povo, para imaginar outras relações entre o povo e a natureza; por esta razão, a luta popular está ligada à luta pela terra.
Propõe-se uma reforma agrária progressiva, com resistências diárias como as redes agro-ecológicas, a luta organizada, o reconhecimento formal da terra e dos territórios coletivos, portanto a articulação das demandas a nível global com uma reivindicação internacionalista, a livre comunicação, a educação popular, a unidade orgânica, a gestão autônoma do conhecimento e a recuperação das próprias tecnologias sociais.
Exemplos visíveis destes processos podem ser encontrados no movimento agro-ecológico, onde é reafirmada a necessidade de reforçar a gestão colectiva, a produção de alimentos sem OGM e aghrotoxic food, o comércio solidário e a defesa permanente dos territórios, onde o cuidado tem valor.
- NORMAS E INSTITUIÇÕES
Nos últimos anos, o Brasil assistiu ao desmantelamento das instituições que garantem os direitos sociais, especialmente na questão rural. Foram criadas 69 leis (PL) para permear a população do campo, com medidas contra a reforma agrária, o controlo militar, o aumento das opções políticas para a bancada do Partido Social Liberal (PSL), ligadas à Frente Parlamentar e aos chamados bancos rurais.
Esta articulação política institucional representada por congressistas com uma agenda anti-social, conseguiu o enfraquecimento da legislação de protecção das terras indígenas, quilombolas, até mesmo das unidades de conservação. Foi criada uma emenda constitucional para transferir para o Congresso a demarcação de terras indígenas e quilombolas, acompanhada de propostas para a exploração dos recursos naturais em terras indígenas.
A realização desta estratégia de expropriação só seria possível se o atual governo conseguisse neutralizar a autonomia dos movimentos sociais; portanto, o Senado priorizou o projeto de legislação fundiária brasileira, com efeitos diretos nas taxas de produtividade e na função social. A neutralização dos movimentos sociais exigiria também propostas para a chamada segurança, que consiste em reforçar as medidas que garantem a propriedade privada e autorizam a intervenção federal em áreas de jurisdição estatal, provocando um aumento da violência policial, num processo histórico de ocupações desorganizadas e de grilhões de terras.
A promoção da privatização das terras é acompanhada de uma retórica governamental sobre controlo e produtividade. O Bolsonaro legitima a apropriação de terras colectivas, validando um sistema de Cadastro Ambiental Rural (CAR), que se sobrepõe aos interesses privados com os movimentos sociais. A dinâmica do reconhecimento da propriedade privada passa pela auto-declaração como requisito para a regularização dos títulos de propriedade.
Ao mesmo tempo, a reforma laboral visa reduzir o número de auditores fiscais, tornando o processo de inspecção mais frágil face à persistência do trabalho subvalorizado e do trabalho escravo. A diminuição do controlo na área laboral deixa os conselhos e comissões encarregadas do controlo social com pouca acção política.
Além disso, as novas políticas laborais diminuem os benefícios para os trabalhadores, promovendo duas medidas: 1) benefícios para os investidores internacionais e 2) produção de especulação e processos forçados de títulos de propriedade privada. A especulação da soberania fundiária torna-se assim uma oferta para os investidores estrangeiros, como potenciais novos proprietários de terras e territórios do povo, que por sua vez estão em disputa pela defesa contra as políticas de extermínio rural.
1 Descarga el Informe completo en el siguiente enlace: https://ipdrs.org/index.php/publicaciones/libros/impreso/117