PRODUCCIÓN - DIÁLOGOS
212 - OS TERRITÓRIOS CAMPONESES NA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO PARAGUAÇU, NA BAHIA-BRASIL E AS AMEAÇAS PELA POLÍTICA AGRONEGÓCIO.
A bacia hidrográfica do rio Paraguaçu é composta por mais de 150 rios, que nutrem 86 dos 417 municípios baianos. A área banhada por ela é de 54.877 km² (Inema, 2015), cerca de 10% do território do Estado. Vivem nesta área 1.720.367 pessoas (Inema, 2015), aproximadamente 12% dos habitantes da Bahia, e suas águas contribuem para o abastecimento de Salvador, a capital do Estado. O nome do principal rio desta bacia significa ‘mar grande’ e tem sua origem na língua tupi (Santos, 2013).
O rio Paraguaçu nasce no município de Barra da Estiva – Bahia/BR. A aptidão agrícola das terras da Bacia variam entre média e alta, com destaque na região da Chapada Diamantina, justamente onde há uma precipitação um pouco maior, devido ao clima semiúmido a úmido. A união destes elementos tornou a região um polo de atração para a agroindústria. Desde a década de 1980, com a chegada do agronegócio, a demanda pela água, como fator de produção para essas empresas, só vem aumentando. A alguns quilômetros da cabeceira do rio Paraguaçu fica a Barragem do Apertado, concluída em 1998 pela Companhia de Engenharia Ambiental da Bahia – CERB, com o objetivo principal de atender as demandas hídricas do setor usuário da irrigação (LOPES et al., 2008). Hoje, responsável pela modificação da região, abrigando inúmeras agroindústrias.
Conforme estudos, a Barragem do Apertado possui usos distintos, dentre os quais destacam-se a irrigação e o abastecimento doméstico. Mas, nos últimos três anos em que acentuou o colapso hídrico no alto Paraguaçu o rio chegou a cortar logo abaixo da barragem. O sistema de abastecimento da cidade de Mucugê (BA) foi interrompido. Percebe-se uma priorização pelo agronegócio em detrimento ao abastecimento humano.
A chapada Diamantina, no alto Paraguaçu, hoje se destaca na produção de café, batatas e está se tornando um grande polo na produção de fruticultura tropical. Grande parte da produção atende as demandas regionais e nacional, mas o clima e as montanhas favorecem a uma produção destaque para a exportação, principalmente o café e produtos elaborados como sucos, cachaças e vinhos.
O Plano de Bacia Hidrográfica é um dos instrumentos para consubstanciar, fundamentar e orientar a implementação da Política Estadual de Recursos Hídricos e o seu respectivo gerenciamento. Na Bahia, os esforços para definir essa política e instituir um sistema de gerenciamento de recursos hídricos foram iniciados em 1995, por meio da Lei no 6.812/1995, que criou a Superintendência de Recursos Hídricos (SRH/BA). Nesse mesmo ano foi editada a Lei no 6.855/1995, que dispõe sobre a Política, o Gerenciamento e o Plano Estadual de Recursos Hídricos.
O aproveitamento sustentável da bacia do rio Paraguaçu é fundamental, sendo necessário um planejamento integrado que vise o avanço das condições socioambientais, o aumento da quantidade e a melhoria da qualidade da água para os mais diferentes usos. Porém, a bacia hidrográfica do rio Paraguaçu, assim como tantas outras bacias hidrográficas, ainda carecem desses Estudos. Pois, a Falta de conhecimento desses usos, de estudos relacionados à bacia hidrográfica e de planejamento ambiental favorecem aos grandes monocultivos e, quando não atendidas suas demandas essas empresas começam a migrar para áreas próximas a outros afluentes do Paraguaçu.
A ingerência do agronegócio na política dificulta uma ação integrada de longo prazo para manutenção e conservação da bacia hidrográfica. Aproveitam-se do mito do desenvolvimento para manipular a opinião pública e omitir o diagnóstico que aborde a situação atual dos recursos hídricos; a análise de alternativas de crescimento demográfico, de evolução de atividades produtivas e de modificações dos padrões de ocupação do solo; o balanço entre disponibilidades e demandas futuras dos recursos hídricos, em quantidade e qualidade, com identificação de conflitos potenciais [...]. Conforme a Lei das Águas (nº 9433, art. 7º).
A expansão do agronegócio e a falta de um Plano integrado, afetou também o rio Utinga, um dos principais afluentes dessa Bacia Hidrográfica. O rio Utinga nasce na comunidade de Cabeceira do Rio, distante cerca de oito quilômetros da sede do município de Utinga. Ele é responsável pelo abastecimento de água das cidades de Utinga, Wagner, Lajedinho e Andaraí.
As bombas se multiplicam para alimentar os sistemas de irrigação ao longo do rio Utinga, onde concentra grande parte das monoculturas de mamão e banana. Nos últimos 10 anos houve um aumento do plantio irrigado, de culturas que absorvem um grande volume de água, passando de aproximadamente 200 para mais de 1.000 hectares. Isso é equivalente a mais de 2 milhões de pés de banana, que para manter sua produtividade necessita, para cada planta, 40 litros de água por dia. Sem controle, plano de manejo ou fiscalização, boa parte dessas bombas para irrigação não possui sequer outorga de uso da água.
No início de 2018, a situação repetiu o ocorrido em 2015 e início do ano 2017, em que o rio Utinga interrompeu sua correnteza por mais de 120 dias, afetando onze comunidades rurais e ribeirinhos, dez assentamentos e dois sistemas de captação e tratamento para uso doméstico, desde a sede do município de Wagner até a Área de Proteção Ambiental – APA Marimbus/Iraquara, divisa dos municípios de Andaraí e Lençóis, onde o rio deságua, afetando uma média de três mil famílias entre abastecimento humano e produtores/agricultores. A economia de 830 famílias dos assentados, pequenos agricultores, quilombolas e pescadores foi afetada e, endividados, alguns camponeses chegaram a passar fome.
No final de 2017, O Instituto Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos – INEMA decretou a suspensão de 50% do volume outorgado para o rio Utinga e todos seus afluentes, exceto para consumo humano e dessendentação animal, por meio da Portaria 15.068; e os grandes produtores adotaram um racionamento em alternância, dia sim – dia não, que somada à ação do Decreto poderia amenizar o colapso hídrico, mas as medidas não foram adotadas por todos os produtores e o próprio Governo do Estado atendendo aos interesses do agronegócio suspendeu temporariamente a atuação do INEMA, comprometendo a vazão do rio, a qualidade de vida dos pequenos agricultores e o próprio meio ambiente da Chapada Diamantina.
A outorga deve atender à necessidade dos usos prioritários, de interesse coletivo, para os quais não se disponha de fontes alternativas (Lei das Águas – 9433, Art. 15). O uso da água como commodity fere esse Direito Costumeiro - conjunto de normas de conduta social, criadas espontaneamente pelo povo, através do uso reiterado, e que gera a certeza de obrigatoriedade, reconhecidas e impostas pelo Estado (Nader, p. 156). Assegurados pela Constituição Federal (CF – 1988. Art. 216, Inciso I e II) – as formas de expressão e o respeito aos modos de criar, fazer e viver.
Entretanto, a atuação do INEMA, além de não focar nos pontos mais críticos do subsistema hídrico do Rio Utinga, a fim de perenizar todo percurso, prioriza a monocultura da banana em detrimento de outros usos, contrariando os artigos 1º e 15 da Lei das Águas - Nº 9.433, que prevê a suspensão parcial ou total, em definitivo ou por prazo determinado, as outorgas de direito de uso de recursos hídricos, em situações de escassez, priorizando o consumo humano e à dessedentação de animais.
A Própria Lei das Águas (nº 94330) em seu artigo 7º prevê metas de racionalização de uso, aumento da quantidade e melhoria da qualidade dos recursos hídricos disponíveis; medidas a serem tomadas, programas a serem desenvolvidos e projetos a serem implantados, para o atendimento das metas previstas; prioridades para outorga de direitos de uso de recursos hídricos; e principalmente, a criação de áreas sujeitas a restrição de uso, com vistas à proteção dos recursos hídricos.
De acordo com Rogério Mucugê, da Conservação Internacional e coordenador do projeto “Semeando Águas no Paraguaçu”, os espaços de reivindicação da sociedade civil para a resolução estão dominados pelos representantes de grandes empreendimentos rurais. O Comitê da Bacia Hidrográfica do Paraguaçu é um deles. Apesar da ideia de composição diversificada e democrática dos Comitês, a população em geral e as entidades de preservação ambiental são sempre voto vencido nas decisões sobre a Bacia. Apesar disso, não há nenhuma repercussão na mídia.
Na ocasião do lançamento da Campanha de conservação da Bacia Hidrográfica do Rio Paraguaçu, Wilson Pianissola, líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, chegou a advertir o Secretário de Meio Ambiente de que o rio não voltaria a secar pela atuação do Estado ou pela ação popular. Mesmo com a forte mobilização dos camponeses o problema do rio Utinga persiste. Somente, os efeitos climáticos (chuvas) têm favorecido a perenização do rio.
Ainda no rio Paraguaçu, em seu médio curso, há outras duas barragens − Bandeira de Melo e a Represa de Pedra do Cavalo, fazendo divisa com o baixo curso. A barragem de Bandeira de Melo fica na região semiárida e tem como função regularizar a vazão do rio e atender a usos múltiplos. Mas, com o esgotamento do alto Paraguaçu e dos outros afluentes a população teme o uso também, da barragem Bandeira de Melo, para o agronegócio.
Considerando essa realidade que aponta para a intensificação dos conflitos por água na região, faz-se urgente, uma mudança de posição do Estado a fim de garantir o direito à água e ao modo de vida das populações que dependem da Bacia Hidrográfica do rio Paraguaçu e consequentemente a sustentabilidade desta Bacia. Como afirma o senhor Ramiro de Souza, do Assentamento São Sebastião - Utinga, “dizem na televisão que o agro é tudo, mas não é, a água que é tudo. Ninguém vive sem água”.
A garantia do uso utilitarista da terra. Ameaça às Áreas de Proteção Permanente (APPs) e ao modo de vida das Comunidades Tradicionais e Povos Originários. Esses sujeitos sociais dão um sentido diferente à vida e, assim, constroem cotidiamente relações sociais e uma relação sociedade-natureza oposta/antagônica a essa lógica dominadora, por isso, são violentamente reprimidas.
Quando um rio morre, morre também seus povos. O rio é parte do territó/rio, implica dimensões simbólicas intrínsecas na identidade camponesa, uma afinidade que define o modo de vida do povo ribeirinho. Lá estão os acontecimentos, os fatos históricos, que mantem viva a memória das comunidades; estão enterrados os ancestrais e encontram-se os sítios sagrados; estão determinados o modo de vida e a visão humana e do cosmo.
Sendo assim, a administração do Comitê da Bacia Hidrográfica e o sistema de gerenciamento dos recursos hídricos há de se considerar, além das legislações ambientais, a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, dentre outras leis que tratam das comunidades tradicionais e povos originários. Estes são grupos culturalmente diferenciados, com suas próprias organizações sociais, que ocupam e usam os territórios e seus recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, adotando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição. O uso equilibrado desses recursos naturais não só garante a segurança alimentar e nutricional dos povos e comunidades tradicionais, mas a preservação dos direitos culturais, reconhecendo assim a condição multicultural e pluriétnica da sociedade Brasileira.
Os conflitos e interesses em disputa nos territórios da Bacia Hidrográfica do Rio Paraguaçu/Bahia-Brasil, são uma pequena mostra do que ocorre em grande parte do Brasil, assim como em outras regiões Sul-americana, por isso são importantes a resistência e a gestão local do território, ao mesmo tempo que a denúncia aos sistemas que nutrem esta forma de exploração de nossos recursos naturais (solos, agua e terra) a nível global.
Bibliografia:
- SEMEANDO ÁGUAS NO PARAGUAÇU. Disponível em: https://www.conservation.org/global/brasil/publicacoes/Documents/Livro%20Semeando%20A%CC%81guas%20no%20Paraguac%CC%A7u.pdf. Acessado em: 09 fev. 2018.
- CHAPADA DIAMANTINA: a caixa d’água da Bahia vai secar! Disponível em: https://www.cptnacional.org.br/index.php/publicacoes-2/destaque/3818-chapada-diamantina-a-caixa-d-agua-da-bahia-vai-secar. Acessado em: 09 fev. 2018.
- LEI Nº 9433, DE 08 DE MARÇO DE 1997. Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9433.htm. Acessado em: 09 fev. 2018.
- O COLAPSO HÍDRICO DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO PARAGUAÇU E O EMINENTE CONFLITO ENTRE OS USUÁRIOS. Disponível em: https://www.cptnacional.org.br/publicacoes/noticias/conflitos-no-campo/4091-o-colapso-hidrico-da-bacia-hidrografica-do-rio-paraguacu-e-o-eminente-conflito-entre-os-usuarios. Acessado em: 09 fev. 2018.
- AVALIAÇÃO DOS USOS DA ÁGUA NA BARRAGEM DO APERTADO, MUCUGÊ – BA. Disponível em: http://www.repositoriodigital.ufrb.edu.br/bitstream/123456789/1158/1/TCC-Cristiano%20VERS%C3%83O%20FINAL.pdf. Acessado em: 19 fev. 2018.
- DIREITOS DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS. Disponível em: http://conflitosambientaismg.lcc.ufmg.br/wp-content/uploads/2014/04/Cartilha-Povos-tradicionais.pdf. Acessado em: 19 fev. 2018.